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28.8.07

A grande Lei das Águas: o modelo francês

Embora diversos países, como a Alemanha, a Holanda e Inglaterra, tenham desenvolvido metodologias e criado instrumentos jurídicos e institucionais para gerir adequadamente seus recursos hídricos, o Brasil inspirou-se no modelo francês para criar seu próprio sistema. Nas palavras de Lanna (1995) a lei francesa “é saudada hoje por especialistas internacionais em recursos hídricos e economistas ambientais como um dos instrumentos mais abrangentes e eficientes em matéria de gerenciamento de recursos hídricos”.

Em meados do século XX a França se vê diante do desafio de assegurar, em logo prazo, o abastecimento de água potável uma vez que os setores doméstico e industrial exigiam uma disponibilidade cada vez maior em virtude do desenvolvimento pós-guerra. Naquela época, o suprimento originava-se principalmente de mananciais subterrâneos, o que representava riscos em relação aos aspectos quantitativos e qualitativos. De acordo com Sironeau (1998) e Lanna (1995), este último aspecto era crítico em razão da poluição difusa associada às práticas agrícolas e a insuficiência de saneamento básico.

Diante desse fato a França aprova, em 16 de dezembro de 1964, a chamada “Grande Lei das Águas” como o objetivo de recuperar a qualidade das águas superficiais e dos rios costeiros. O objetivo prioritário dessa lei não foi a preservação ambiental, que na época não era tema em debate. O grande mérito da Lei das Águas, que instituiu a redevance (cobrança) foi à instituição de uma visão global em termos de qualidade e usos múltiplos. Ainda se segundo a autora, toda a estruturação do sistema francês só foi possível graças à aplicação de duas inovações propostas na Lei:

  • aplicação das recomendações da teoria econômica sobre a “internalização das externalidades”, por meio do qual se instituiu o sistema de cobrança pela poluição, que ficou mundialmente conhecido como princípio “poluidor-pagador”, recentemente adequado para “usuário-pagador”;
  • criação de condições institucionais específicas para a aplicação do instrumento econômico em todo o seu território: as Agências Financeiras de Bacias, que atualmente são denominadas de Agências de Água;
  • É importante ressaltar que esse organismo de gestão tem um campo de ação delimitado. Seu papel restringe-se a cobrança pelo uso da água e aplicação dos recursos arrecadados de acordo com as deliberações dos Comitês de Bacias. Sua atuação é controlada por um Conselho de Administração, composto por integrantes dos Comitês, estando ainda sob tutela do Estado, pois as Agências são consideradas instituições públicas do Estado Francês.

Mesmo decorridos mais de 40 anos, a concepção deste arranjo político-institucional ainda é questionado, do ponto de vista de sua constitucionalidade, por diversos juristas franceses uma vez que a base de cálculo para a cobrança pelo uso da água bruta e a deliberação sobre a aplicação dos recursos arrecadados não estão sob controle do poder legislativo contrariando, assim, as disposições constitucionais. Por outro lado, o sistema mostrou-se eficiente, contribuindo para o estabelecimento de um consenso tácito para se manter o status quo. No entanto, discussões recentes resultaram na decisão de submeter os planos de intervenção das agências de bacia ao Parlamento francês, de modo a resolver, definitivamente, essa questão; essa é a proposta do projeto de uma nova lei das águas em discussão na França atualmente.

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